Pesquisadores do BRICS Competition Law and Policy Centre — grupo formado por especialistas em concorrência, regulação e cadeias globais de valor — analisam os impactos da concentração no comércio internacional de grãos e alertam para perdas crescentes entre produtores. Segundo estimativas apresentadas no estudo From Farm to Futures: Competition, Financialization, and Digitalization in Global Grain Value Chains, agricultores de diversos países já enfrentam custos mais altos decorrentes da atuação de grandes empresas do setor.
No Brasil, dados associados à Moratória da Soja indicam prejuízos estimados de cerca de 4 bilhões de reais (aproximadamente 750 milhões de dólares) aos produtores. Em países exportadores de grãos dos BRICS, cálculos preliminares sugerem que efeitos semelhantes podem resultar em perdas anuais superiores a 2,5 bilhões de dólares.
O estudo aponta que grandes tradings agrícolas passaram a operar como estruturas econômicas integradas, combinando funções logísticas, financeiras e tecnológicas. Essa configuração, segundo os pesquisadores, reduz a capacidade de negociação dos demais agentes da cadeia produtiva e amplia sua vulnerabilidade frente às oscilações do mercado global.
“O relatório chama atenção para a crescente concentração de poder no comércio global de grãos, um fenômeno que representa um desafio para a segurança alimentar em escala mundial. Quero parabenizar a iniciativa — é um tema extremamente relevante, e o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vem acompanhando essa agenda de perto nos últimos anos. As cadeias de abastecimento de alimentos têm sido objeto de discussão em várias jurisdições recentemente. Nesse cenário, o relatório oferece uma análise ampla e oportuna sobre o funcionamento dos mercados globais de grãos diante da combinação de concentração, financeirização e rápidas transformações tecnológicas”, afirmou Gustavo Augusto Freitas de Lima, presidente do CADE.
O estudo utiliza uma abordagem que integra elementos horizontais e verticais da concorrência ao analisar o tema a partir de processos globais. A análise antitruste tradicional do mercado de grãos costuma concentrar-se na concorrência horizontal — isto é, na interação entre empresas que atuam no mesmo nível da cadeia. Para compreender melhor a dinâmica dos mercados nos países dos BRICS, porém, os pesquisadores ampliam o foco para a concorrência vertical, examinando como se articulam os diferentes elos da cadeia produtiva: produtores, tradings, operadores de infraestrutura e intermediários financeiros — do campo e do porto até o consumidor final.
Segundo os autores do estudo, o mercado global de grãos vem sendo comandado há décadas por um oligopólio formado pelas grandes tradings agrícolas conhecidas como ABCD+. Essa forte concentração de poder, somada a características estruturais do próprio setor, torna o mercado especialmente suscetível a oscilações de preços e a comportamentos especulativos, com impactos negativos tanto para quem produz quanto para quem consome.
De acordo com as estimativas, um “ágio monopolista” de 15% sobre os serviços de logística e comercialização, aplicado a cerca de 20% do volume negociado, pode representar um custo adicional de 2,5 bilhões de dólares por ano para países como Rússia e Brasil.
Além disso, o estudo chama atenção para algumas tendências centrais que hoje afetam diretamente agricultores, consumidores e o comércio global de grãos.
Em primeiro lugar, plataformas digitais como Covantis e TRACT já permitem que as tradings do grupo ABCD+ coordenem suas operações e reduzam o espaço competitivo de empresas nacionais e regionais, muitas vezes fora do alcance direto das autoridades antitruste dos BRICS. A Covantis, em particular, vem ampliando rapidamente sua atuação internacional, algo que constitui um dos pilares de sua estratégia. Em 2023, a plataforma movimentou mais de 808 milhões de toneladas em transações, concentrando 76% das exportações brasileiras, 53% das norte-americanas, 34% das canadenses e 51% das argentinas em grãos e oleaginosas.
Em segundo lugar, o estudo aponta o avanço da financeirização, ou seja, a integração cada vez mais estreita entre a infraestrutura financeira e a de comercialização. Em terceiro lugar, destaca-se que a atuação financeira das tradings só é possível graças à assimetria de informação: elas têm acesso privilegiado a dados exclusivos, indisponíveis para os demais agentes do mercado.
Por fim, surge um novo tipo de relação entre essas empresas, a chamada co-opetição: um modelo em que competem por lucros e participação de mercado, mas ao mesmo tempo cooperam, investem juntas em infraestrutura e coordenam o controle das cadeias de abastecimento.
Alexey Ivanov: “Estamos levantando uma questão crucial sobre a aplicabilidade das regras atuais para acordos de sustentabilidade quando se trata de plataformas sustentadas por objetivos ambientais, especialmente considerando o caráter disruptivo das tecnologias digitais e sua capacidade de monitoramento. Para o Brasil, arranjos desse tipo são particularmente sensíveis, dado o papel do país como grande produtor e exportador de grãos. A Moratória da Soja é, na prática, um acordo anticoncorrencial apresentado sob o pretexto de metas de sustentabilidade. Amanda Flávio de Oliveira, da CNA, afirmou na audiência que a moratória já trouxe um prejuízo de 4 bilhões de reais (cerca de 750 milhões de dólares) aos agricultores. Situações como essa mostram que a ligação entre o poder de mercado das tradings e a pauta da sustentabilidade, agora reforçada por soluções digitais, ainda tem sido pouco explorada pelas autoridades de concorrência e pode revelar formas de abuso de poder antes não identificadas.”
Como passo central, o relatório propõe envolver os órgãos de defesa da concorrência dos países dos BRICS no desenho da Bolsa de Grãos dos BRICS. Uma plataforma única, em que os mecanismos de formação de preços seriam mais transparentes e, sobretudo, onde as ferramentas de hedge funcionariam de maneira mais clara e acessível. A criação da bolsa já foi lançada pelos líderes do bloco e, se implementada adequadamente, pode representar um avanço real na redução da volatilidade, no aumento da transparência e na promoção de uma concorrência mais saudável no mercado global de grãos.






























