Enquanto a transição energética e a reindustrialização avançam no mundo com apoio de políticas estratégicas, o Brasil ainda convive com entraves estruturais que comprometem sua competitividade. Um dos relevantes gargalos que limitam o crescimento da indústria nacional é o elevado custo do gás natural, recurso fundamental para diversos segmentos produtivos e cuja exploração eficiente poderia impulsionar o Produto Interno Bruto (PIB), além de reduzir emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), por ser menos poluente que outros combustíveis fósseis, como petróleo e carvão.
Apesar de a produção nacional ter alcançado 153 milhões de metros cúbicos por dia em 2024, conforme o Boletim Mensal da Produção de Petróleo e Gás Natural, mais da metade desse total não chegou ao mercado. Pouco mais de 80 milhões de m³/dia foram injetados nos campos de produção. A reinjeção é prática comum para manter a pressão dos reservatórios e também por motivos econômicos.
“No Brasil, o gás natural é um insumo estratégico, sobretudo para a indústria, mas enfrenta obstáculos que impedem sua plena utilização”, avalia o empresário José Maurício Caldeira, sócio e membro do Conselho de Administração da Colpar Brasil, grupo que atua em diversos segmentos industriais e do agronegócio. “Parte do volume reinjetado poderia ser direcionada ao mercado se houvesse infraestrutura adequada de escoamento e processamento”.
Vale destacar que, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o pré-sal responde por 78,29% da produção de petróleo e gás, enquanto o pós-sal e os campos terrestres foram responsáveis, em média, por 16,33% e 5,38% da produção, respectivamente.
Limitação logística
Além da limitação logística, o custo do gás no Brasil é muito alto. Enquanto no mercado internacional o preço gira em torno de US$ 7 por milhão de BTU (MMBTU), a indústria brasileira desembolsou, em 2024, cerca de US$ 16 por milhão de BTU. Em abril de 2024, o setor industrial consumiu 39 milhões de m³/dia, sendo 0,2% superior ao mesmo mês do ano anterior: (Página 16, gráfico 23, 5.3. Preço do Gás Natural (MME e EIA). Essa realidade impacta setores dependentes do insumo, como, por exemplo, a indústria petroquímica, de fertilizantes, vidro e cerâmica, que interferem em vários setores produtivos.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que o preço do gás natural no país poderia ser reduzido à metade se tomadas algumas iniciativas. A adoção de novos critérios para remunerar investimentos em gasodutos e unidades de processamento (UPGNs) pode reduzir os custos associados à expansão e manutenção da infraestrutura de gás natural.
Além disso, a revisão das tarifas das transportadoras para incluir a amortização dos ativos existentes, ou seja, a recuperação do investimento inicial ao longo do tempo, pode levar a uma redução dos custos repassados aos consumidores. Essas medidas tornariam o insumo mais competitivo e poderiam provocar uma retomada significativa do consumo industrial.
Ministro critica custo
O próprio ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem criticado o elevado custo do combustível. “O preço do gás natural no Brasil é absurdo e prejudica nossa indústria intensiva em energia”, afirmou o ministro, em evento com industriais. O ministro defendeu a redução do volume reinjetado pela Petrobras nos poços como caminho para reduzir os preços.
José Maurício Caldeira, da Colpar, concorda que a ampliação da oferta de gás é fundamental para alinhar os preços cobrados no Brasil aos do resto do mundo. “É fundamental que um maior volume de gás seja disponibilizado para os consumidores, principalmente para o setor industrial, que é responsável por 60% do consumo no país”, pontua Caldeira.
Apesar do cenário desafiador, o programa “Gás para Empregar”, lançado pelo governo federal, chega mudando o cenário nos setores produtivos. A iniciativa envolveu amplo diálogo com consumidores e agentes do setor e resultou em medidas concretas, como a flexibilização do acesso à infraestrutura essencial, a entrada de novos fornecedores no mercado e a autorização para que a PPSA (Pré-sal Petróleo, empresa pública vinculada ao Ministério das Minas e Energia) comercialize o gás da União.
Mercado livre de gás
Com essas mudanças, o mercado livre de gás em São Paulo já responde por 30% do volume consumido no estado. Além disso, o Brasil passou a importar gás da Argentina, do megacampo de Vaca Muerta — movimento que promove integração energética regional e aumenta a competição, contribuindo para a redução dos preços.
“Reduzir o preço do gás não é apenas uma questão econômica, mas estratégica para viabilizar o processo de reindustrialização do país”, diz José Maurício Caldeira. “O Brasil tem o recurso, tem o mercado e tem a demanda. Falta tornar o gás natural acessível e competitivo”, conclui.