A literatura pode ser um caminho sensível para pensar futuros possíveis em tempos de crise ambiental. Na Amazônia, histórias que misturam ficção, memória e saberes tradicionais têm ajudado crianças e jovens a refletir sobre sua relação com o território e os impactos das mudanças climáticas. É desse encontro entre literatura e floresta que nasceu a ONG Vaga Lume, organização sem fins lucrativos que há mais de duas décadas constitui bibliotecas comunitárias junto com comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e rurais nos nove estados da Amazônia Legal.
Para Lia Jamra, diretora-executiva da Vaga Lume, a literatura é um convite à reflexão e à transformação. “A literatura não nos dá respostas prontas, mas desperta perguntas fundamentais. Ao vivenciar as histórias e os saberes da floresta, as crianças percebem que o clima não é uma pauta distante, mas parte da sua própria identidade”, afirma.
A curadoria dos acervos da Vaga Lume privilegia livros que abordam tanto a preservação ambiental em si quanto a relação entre o indivíduo e a natureza. Autores indígenas, quilombolas e ribeirinhos ocupam posição central, trazendo para o debate a experiência de quem vive diariamente a floresta e carrega conhecimentos ancestrais sobre preservação e modos de vida sustentáveis. “Nosso cuidado não é apenas selecionar bons livros, mas obras que provoquem reflexão. Ao valorizar autorias indígenas, quilombolas e ribeirinhas, damos centralidade a vozes que há séculos preservam a Amazônia”, diz Jamra.
Em 2025, ano em que Belém receberá a COP30, a Vaga Lume intensificou suas ações com as comunidades da Amazônia sobre temas climáticos e ambientais. Entre elas estão um intercâmbio de jovens em Castanhal (PA), que resultou em um manifesto coletivo sobre a defesa da Amazônia; um processo de escuta com as comunidades para compreender o que elas entendiam sobre mudanças climáticas; o lançamento de um guia de atividades para a Semana da Amazônia, que gerou a mobilização comunitária para atividades e discussões voltadas a refletir a importância da floresta e a sua preservação; e, durante a COP30, a inauguração de uma biblioteca conceito no Pará. “Garantir acesso a essas narrativas é também um ato político. A literatura pode ser um meio de justiça climática ao reconhecer os saberes tradicionais como parte da solução global para a crise”, frisa Jamra.
Mas as atividades propostas não se limitam a eventos pontuais, como a COP. Elas acontecem, sobretudo, no cotidiano das rodas de leitura em que uma narrativa sobre rios, animais ou ciclos da água abre espaço para conversas sobre pertencimento e responsabilidade com a floresta. “Uma roda de leitura é mais que compartilhar um livro: é um espaço coletivo de reflexão. Quando uma criança se encanta com a narrativa de um rio, passa a enxergar seu território com outros olhos e entende que cuidar dele é também cuidar do clima”, explica.
Outro destaque são os livros artesanais produzidos por crianças e adolescentes, moradores das comunidades e frequentadores das bibliotecas da Vaga Lume. Cada exemplar, feito à mão, reúne histórias, memórias, saberes e fazeres transmitidos entre gerações. “Esses livros mostram como ambiente, clima e vida cotidiana estão entrelaçados. Quando uma criança segura um deles, percebe que a literatura também pode nascer do lugar onde vive e que sua voz tem valor”, frisa.
Para Jamra, o poder da literatura está em abrir horizontes e provocar pertencimento. “As histórias de autores da Amazônia trazem para o centro do debate quem vive a floresta todos os dias. São narrativas que carregam conhecimentos ancestrais e mostram modos de vida sustentáveis, revelando que cuidar do território não é só uma pauta ambiental, mas também cultural e social. Quando crianças e jovens se veem representados nesses livros, fortalecem sua identidade e entendem que a preservação é parte de quem eles são”.
A proposta da Vaga Lume é transformar a leitura em espaço coletivo de reflexão e criação, no qual crianças e jovens conectam narrativas ao seu cotidiano e pensam soluções para os problemas que enfrentam. Como defende o escritor quilombola Antônio Bispo dos Santos, Nêgo Bispo, contar histórias é também um modo de valorizar saberes ancestrais e fortalecer territórios, unindo pensamento crítico e encantamento que só o livro e as conversas sobre ele produzem.




























