A decisão do governo brasileiro de aplicar uma sobretaxa provisória de US$ 1,97 por quilo sobre o fio de poliamida 6 (PA6) importado por quatro empresas, entre elas a Yiwu Huading Nylon Co., Ltd., fornecedora do insumo para o mercado nacional, provocou reação imediata de empresários da cadeia têxtil. A matéria-prima, essencial para a confecção de roupas esportivas, moda praia, meias e lingerie, não é fabricada no Brasil, o que torna a medida especialmente preocupante.
A decisão do Comitê de Comércio Exterior foi publicada no Diário Oficial da União no dia 24 de outubro.
Para as empresas que dependem dos fios de poliamida 6 (PA6), a taxação impacta o custo de produção (de US$ 3 para US$ 4,97), comprometendo a competitividade do setor e colocando em risco milhares de empregos em todo o país. "O valor sobre aplicado compromete a produção de volumes competitivos. Na prática, não será possível manter as linhas de produtos à base de poliamida em nosso portfólio", afirma o empresário Renato José Benvenuti, vice-presidente da RVB Malhas, de Brusque (SC).
Segundo o Relatório Setorial Brasil Têxtil 2025, produzido pela IEMI – Inteligência de Mercado, no saldo da balança comercial de artigos têxteis e confeccionados, os filamentos (como o poliéster e o nylon/poliamida) têm um déficit superior a 885 milhões de dólares (- US$885.157.000). As exportações respondem por US$54.801.000 e as importações por US$939.958.000.
Varejo pode migrar para peças prontas
Com a sobretaxa gerando aumento dos custos e a redução da oferta da poliamida (PA6), o empresário de Brusque vê risco de migração do varejo para produtos importados, que não enfrentam as mesmas barreiras comerciais. "O varejo deverá substituir produtos fabricados no Brasil por peças prontas da Ásia, o que enfraquece toda a cadeia produtiva nacional", considera Benvenuti.
Ele acrescenta que milhares de postos de trabalho podem estar em risco, especialmente nas operações que dependem da poliamida (PA6). "A medida gera desmotivação e coloca em xeque investimentos programados. Estamos avaliando alternativas, inclusive operações no Paraguai, como outras empresas do setor", afirma o empresário.
A indústria catarinense de confecções é a maior do país, segundo a Federação das Indústrias, FIESC, e o setor têxtil e de vestuário é o maior empregador do estado, gerando 178,7 mil vagas de trabalho.
Preocupação com a sustentabilidade da produção
A CPS – Cia. de Produção Sustentável S.A. (DelRio), do Ceará, também considera os impactos da decisão: "a aplicação de sobretaxas em um insumo sem equivalente nacional representa um grande risco para nossa produção. Além de elevar os custos, isso pode comprometer a nossa capacidade de entrega e até mesmo o abastecimento do mercado", afirmou Daniel Pereira de Souza, vice-presidente da empresa.
De acordo com a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), o setor compreende 25,3 mil empresas com mais de cinco funcionários, gerando 1,3 milhão de empregos diretos e contribuindo com R$ 32,9 bilhões em salários e remunerações. Os dados ratificam a posição da indústria têxtil e de confecção brasileira como a quinta maior do mundo.
Dados técnicos também comprovam inadequação da taxa aplicada
O valor de referência utilizado para a aplicação da medida antidumping é oriundo das fibras de poliamida 6.6 (PA6.6), enquanto o mercado consome o fio PA6. Segundo estudo internacional sobre o assunto, a produção da poliamida 6.6 é, em termos industriais, mais exigente (monômeros, síntese, processamento) e o material tem propriedades mais robustas para aplicações técnicas/industriais. Já a poliamida 6, por seu processo mais simples e custo mais baixo, tem forte aplicação no setor têxtil de vestuário, com contínuos investimentos em inovação para eficiência produtiva, diversificação e sustentabilidade.
Dependência de importações e risco de desabastecimento
Como não produz poliamida 6 (PA6), o Brasil depende integralmente da importação para manter a cadeia têxtil operante. "Com a sobretaxa, tivemos um impacto importante no volume de produção que usa fios exclusivos da Huading", confirma Mauro de Oliveira Ferraz, gerente de Supply Chain da Diklatex, têxtil de Joinville (SC). "A sobretaxa também impacta diretamente o desenvolvimento de novos produtos", alerta Mauro.
Especialista indica necessidade de equilíbrio nas políticas comerciais
Quando consultado sobre o risco de um desequilíbrio na balança comercial, o economista Mohamed Amal, professor de Economia e Negócios Internacionais da Universidade Regional de Blumenau (FURB), considerou que "punir a empresa que está entre as principais fornecedoras de um insumo sem substituto local é arriscado. O resultado pode ser o oposto do esperado: menos competitividade, mais custos e perda de empregos. O equilíbrio entre práticas de comércio justo e a proteção da base produtiva precisa ser o foco", avalia o economista. "A defesa comercial deve considerar a capacidade produtiva nacional e o impacto social das medidas", complementa Amal.
Gabriel Sens, CEO da LIVE!, empresa de Jaraguá do Sul (SC), reforça o mesmo ponto: "Nós, empresários, entendemos que qualquer decisão deve preservar a continuidade das operações, o emprego e a competitividade de um dos setores que mais geram renda e oportunidades. Trata-se do futuro da indústria nacional, da manutenção de milhares de empregos e do fortalecimento da cadeia produtiva que sustenta inovação, renda e desenvolvimento regional. Avaliar com equilíbrio e responsabilidade o papel da poliamida 6 na economia brasileira é essencial para que o país continue competitivo, sustentável e capaz de inovar", defende o CEO.

























